Fonte: Valor Econômico
Por Edison C.Fernandes
Um dos fatores cruciais que contribuiu para a
implementação do padrão internacional de contabilidade (IFRS) no Brasil foi a
garantia da neutralidade tributária. A solução original, dada pela Lei nº
11.638, de 2007, a mesma que alterou a legislação contábil, não foi aceita pela
Receita Federal, que preferiu, em lei própria, instituir o Regime Tributário de
Transição (RTT), o qual passou a ser controlado por meio do Controle Fiscal
Contábil da Transição - FCONT (algo como uma contabilidade tributária). Agora,
anuncia-se o fim do RTT.
O binômio RTT/FCONT daria lugar ao novo Livro
de Ajuste da Convergência - LAC, cujos custos de implementação, dadas sua
complexidade e sua burocracia, poderiam ser tema de um texto próprio, e que não
caberia neste espaço. Confirmadas essas informações extraoficiais, a vigência do
RTT terá sido marcada pelos remendos, em razão de não haver uma discussão
estrutural sobre as repercussões tributárias dos IFRS. Além disso, a apuração do
imposto sobre a renda no contexto do LAC será inconstitucional.
Não se pode considerar, nem por mera hipótese,
o tributo como sendo um fim em si mesmo: ele decorre de, insere-se em e se
destina às relações sociais de caráter econômico. O termo "renda" utilizado pelo
artigo 153, III da Constituição Federal não é um conceito tributário por
essência, mas um conceito sócio-econômico apropriado pela Lei Fundamental para
instituir competência tributária. A pretensão de apurar uma "renda"
exclusivamente para fins tributários afronta o texto constitucional - e é isso
que a substituição do RTT, tal como está sendo formulada, propõe.
Muitas das incertezas do período do RTT
permanecerão
Buscando-se regulamentar a apuração do IRPJ e
da CSLL, no momento pós-RTT, o que está proposto é, mais ou menos, o seguinte:
as empresas escriturariam uma "contabilidade" verdadeira e oficialmente
tributária, reconhecendo ou não as operações e os eventos econômicos de acordo
com as normas tributárias, apurando-se uma "renda" com fim exclusivamente
tributário; depois, seriam calculados os tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL);
finalmente, por meio do LAC (cuidado: não se perca nas siglas!), ajustariam essa
"contabilidade" para o padrão contábil societário (baseado nos IFRS/CPC). Não é
difícil perceber que seria o início de uma nova era, desconsiderando-se toda a
experiência passada e os controles exaustivamente desenvolvidos para o
cumprimento da legislação tributária brasileira.
Note-se que o ponto de mirada é, novamente,
colocado à frente e propõem-se mais um desvio (remendo legislativo) para
corrigir a trajetória do tiro; não se olha para os lados (relação do tributo com
as outras situações econômicas cotidianas) e tampouco para trás (experiências
acumuladas). Muitas das incertezas do período do RTT permanecerão, como, por
exemplo, o montante dos dividendos que são isentos, além de se somar um
questionamento jurídico fundamental, hoje inexistente: a constitucionalidade da
"renda" apurada unicamente para efeito de incidência de tributos. Isso sem
mencionar o excessivo aumento dos controles internos, que pode gerar preocupação
quanto à conveniência de adoção dos IFRS como padrão contábil societário.
A solução para o fim do RTT pode ser mais
simples, até porque a sua instituição não era algo necessário (como escrevi, em
2009, no meu livro "Impacto da Lei nº 11.638/2007 nos tributos e na
contabilidade"). O Brasil passou por situação bastante semelhante em 1976, com a
publicação da Lei nº 6.404, e a solução apresentada um ano depois se aproximou
da perfeição: o Decreto-lei nº 1.598, de 1977, criou o Livro de Apuração do
Lucro Real - Lalur, com suas adições e exclusões ao lucro comercial
(contábil-societário). Agora, pode-se resgatar a ideia original do Lalur.
A concepção primeira do Lalur foi sendo
desnaturada pela própria legislação tributária, ao passar a prever regras
contábeis que davam conta dos ajustes tributários que deveriam ser feitos para a
apuração dos tributos sobre o lucro (veem-se, como exemplos: ágio de
investimento e dedução da provisão para devedores duvidosos). Resgatar a sua
origem significa que a legislação tributária (solução estrutural) deveria ser
alterada para incorporar os novos conceitos trazidos pelo padrão internacional
de contabilidade (ajuste a valor presente, ajuste a valor recuperável, avaliação
de ativo biológico etc.) e disciplinar a sua dedutibilidade ou não (adição), sua
tributação ou não (exclusão). Portanto, a solução seria o bom, velho e conhecido
Lalur (inclusive e principalmente na sua versão eletrônica).
Edison Carlos Fernandes é advogado, doutor
em direito pela PUC-SP, professor da Universidade Mackenzie e da FGV (GVLaw,
GVPEC e GVManagement)
Este artigo reflete as opiniões do autor, e
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