segunda-feira, 19 de março de 2012

Saídas mágicas ficam fora do papel


Fonte: Valor Econômico 

Por Andréa Háfez | Para o Valor, de São Paulo

O planejamento tributário - estudo das operações que permitam gastar menos com o pagamento de tributos, como o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), já foi incorporado à cultura corporativa brasileira.

Algumas empresas, contudo, desconhecem que é preciso estar atento aos limites para o uso desse recurso, sob pena de transformar uma eventual economia em um custo ainda maior. A Receita Federal sabe analisar bem se o modelo utilizado nas operações das companhias tem um fundamento econômico ou se foi apenas um jeitinho para pagar menos tributos.

Se desconfiar da segunda hipótese, o Fisco pode julgar que houve uma simulação abusiva e cobrar as diferenças de valores que deveriam ter sido recolhidas, com aplicação de multas. Dependendo da situação, pode haver até mesmo implicações penais.

Além do melhor preparo e do aparelhamento das equipes da Receita para esse tipo de análise, as mudanças na esfera contábil, com a adoção do padrão internacional de normas - os IFRS (International Financial Reporting Standards), obrigatória a partir deste ano, facilitam ainda mais a vida dos fiscais.

A nova escrituração contábil exige que as empresas disponibilizem em seus balanços a essência econômica das operações realizadas. "Hoje está mais claro que o efeito tributário é consequência, e não causa, da realização de uma operação e a sua estruturação", afirma a advogada Ana Cláudia Utumi, sócia responsável pela área tributária de TozziniFreire Advogados. O conceito de planejamento tributário, segundo ela, está mudando. "Já há o entendimento de que não existem soluções mágicas para redução de custos nesta área. A partir da realidade econômica tenta-se chegar a um melhor resultado fiscal e otimizar a carga tributária, dentro de uma oportunidade adequada à natureza fática da operação", afirma.

Desta maneira é possível reduzir os riscos de divergência de interpretações entre as empresas e o Fisco e evitar discussões administrativas e judiciais. "Não há mais espaço para operações puramente tributárias, sem propósito negocial", diz a advogada do escritório TozziniFreire.

E não se trata apenas de uma modificação de postura do Fisco. Até 2002, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), responsável por julgar os processos administrativos relativos a discussões entre contribuintes e Fisco, aceitava os planejamentos tributários elaborados com base apenas nas formalidades jurídicas. "Mas isso vem mudando e o conselho passou a analisar também a essência econômica e o propósito negocial da operação", afirma Eloísa Curi, sócia da área tributária do escritório Demarest e Almeida.

Essa linha mais formalista, segundo ela, deixou de ser a única diretriz nas análises dos planejamentos tributários em razão de mudanças na legislação. Foi dada uma margem para que a fiscalização pudesse verificar se houve uma dissimulação por parte da empresa, com o intuito de realizar uma operação visando somente uma economia fiscal. "Daí hoje ser necessário avaliar caso a caso, para elaborar um planejamento fiscal, para que não haja posteriormente um questionamento pelo Fisco e resulte em um processo administrativo", afirma.

No entanto, a advogada Ana Carolina Monguilod, sócia da área tributária do escritório Levy & Salomão Advogados, esclarece que o planejamento tributário mudou, sim, mas vai continuar a existir. "Os contribuintes têm o direito de se organizar e de estruturar operações de uma forma que resulte em menor custo tributário. Considerando inclusive o ambiente econômico competitivo globalizado que exige atenção para todos os tipos de gastos", afirma.

Todas as operações realizadas pelas empresas têm reflexos tributários relevantes e, dentro de um mercado aquecido, como o brasileiro, o número de operações de aquisições e fusões e de reorganizações societárias é crescente. "Na estruturação dessas operações, qualquer detalhe pode custar muito, porque pode implicar aumento de lucro e elevar a base de cálculo de incidência do IRPJ e da CSLL, calculados em até 34% deste montante", afirma a advogada.

De acordo com ela, a diferença é que o planejamento tributário não cria realidades, mas deve trabalhar a partir das oportunidades oferecidas. "As empresas continuam a procurar o menor custo tributário, mas por meio de estruturas próximas aos aspectos econômicos, sem artifícios ou medidas mais agressivas como ocorria antes."

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