segunda-feira, 19 de março de 2012

Fome de leão


Por Andrea Háfez | Para o Valor, de São Paulo
É no período das declarações anuais de ajustes do Imposto de Renda, quando a conta de valores retidos, acréscimos e deduções fica bem evidente na tela do computador, que a variável "tributos" aparece com todo seu peso nas decisões de investimento. As quantias pagas por pessoas e empresas ao Fisco seguem curvas ascendentes.
Em 2011, dados da Receita Federal indicam que apenas o Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) pago em cotas de declaração de ajuste anual, de carnê-leão e com ganho de capital em alienação de bens, sem a inclusão de valores referentes ao Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), arrecadou R$ 20,50 bilhões, 26,34% mais que no ano anterior. O Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) somou R$ 96,39 bilhões, aumento de 16,82% no mesmo período.
A receita do IRPF corresponde a 0,49% do Produto Interno Bruto (PIB) do ano passado, e a do IRPJ a 2,33%. No total arrecadado pelo governo com tributos, que equivale a 32,74% da riqueza gerada no país, de acordo com os últimos dados disponíveis, de 2010, o IRPF foi responsável por 1,31% e o IRPJ por 6,69%.
O aumento no volume arrecadado de Imposto de Renda, segundo consultores e especialistas da área, acende um sinal amarelo: é necessário estudar as melhores formas de evitar custos tributários desnecessários. É preciso saber quanto, efetivamente, fica com o contribuinte e quanto será entregue aos cofres públicos. Conforme a estratégia utilizada, com base em mecanismos legais, há diferenças significativas em razão do efeito do IR, que no caso das empresas pode chegar a 25% sobre o lucro e para as pessoas físicas a 27,5% dos rendimentos.
Em qualquer tipo de investimento, as empresas procuram fazer uma análise de retorno, na qual, segundo Diogo Ruiz, sócio da área de tributos da KPMG, há uma avaliação da rentabilidade futura - o lucro líquido, já descontados os impostos.
No Brasil, no caso do custo tributário que incide diretamente sobre o lucro das empresas é considerado o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), com aplicação da alíquota básica de 10%, mais o adicional de 15% sobre os valores que excederem R$ 240 mil ao ano. Além disso, há a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), ce mais 9%. "Com um custo de até 34% do lucro, o IRPJ e a CSLL são uma variável relevante no momento das decisões negociais e de investimentos", afirma Ruiz.
Esse custo não chega a destoar muito do que é pago pelas empresas em outros países, diz Ruiz, porque além da alíquota há outras variáveis no cálculo dos tributos. Segundo levantamento feito pela KPMG, a alíquota média de impostos corporativos (similares ao IRPJ e CSLL) global foi de 22,96% em 2011, e na América Latina, de 25,06%. Nessa região, a Argentina atingiu 35%, a Venezuela repetiu o patamar do Brasil e o Chile ficou em 20%.
Além de analisar a alíquota, é preciso considerar as variações relevantes na base de incidência e ponderar de que maneira é possível aproveitar ao máximo uma redução de custos por meio de planejamento tributário. A economia pode ser alcançada principalmente no cálculo do montante sobre o qual serão aplicadas as alíquotas do IRPJ e CSLL.
Dependendo de como for realizada uma operação de aquisição, por exemplo, a empresa compradora pode ficar impedida de deduzir o ágio - a diferença entre o valor pago pela aquisição e o patrimônio líquido da adquirida -, elevando a base de cálculo sobre a qual incidirão 34% de imposto. "Uma escolha ou estruturação inadequada pode resultar em perdas ou não maximizar o retorno esperado na operação de investimento", afirma Ruiz.
Para a professora Marta Pelucio, professora da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), no entanto, a alíquota de até 34% pode inibir a atração de investimentos de outros países. "Depende da tributação de outros países que estarão concorrendo pelo mesmo investimento, e da complexidade exigida para o seu cálculo", afirma. Ela menciona que, recentemente, alguns governos, na tentativa de facilitar o aquecimento de suas economias, reduziram as alíquotas desse tipo de tributação.
É preciso ainda muito cuidado nos investimentos feitos fora do país ou de empresas estrangeiras no Brasil. Uma multinacional brasileira que investe em operações fora do país irá pagar o IR no exterior. Ao ingressar com os dividendos no país terá que checar se há uma nova tributação - o que configuraria uma bitributação. "Para evitar esse tipo de perda, as empresas têm que verificar se o Brasil tem acordo com o país onde será feito o investimento que estipule a não-bitributação", afirma Marta Pelucio. A operação inversa - uma multinacional estrangeira que investe no Brasil e remete dividendos ao país de origem - também precisa observar a existência desse tipo de acordo.
No cenário nacional, aquecido economicamente, as operações de fusão, aquisição e incorporação são uma constante e exigem análises das contingências fiscais das empresas envolvidas, segundo Ricardo Gomes, sócio da área de impostos da Ernst & Young Terco. "Se a empresa adquirida tem problemas fiscais, uma cobrança dos atrasados pode até mesmo inviabilizar a operação", afirma, lembrando que as penalidades do IRPJ e CSLL envolvem, no mínimo, multas de 75% dos valores não recolhidos.
A própria questão da amortização do ágio que caracteriza uma redução do lucro, e consequentemente da base de cálculo do impostos incidentes, deve seguir procedimentos adequados para que o Fisco não entenda que houve alguma infração, abrindo espaço para discussões em processos administrativos e judiciais. "Hoje, a Receita Federal está melhor equipada e seus fiscais mais habilitados", destaca Gomes. A situação condiz com um cenário corporativo mais desenvolvido, onde se busca maior transparência das informações.
O que também justifica, em parte, a evolução da arrecadação do IRPJ. "Além do crescimento econômico, que gera mais renda, um Fisco mais atuante e preparado resulta em maior atenção por parte das empresas em relação aos acertos fiscais e a redução efetiva da informalidade", afirma Cláudio Yano, diretor da área de impostos da consultoria.
"Cada vez mais, as empresas têm que considerar o impacto dessa carga tributária em seus negócios e ponderar se o retorno que terá com o investimento, descontado esse custo, está dentro do desejável ou se prefere alocar seus recursos em outro tipo de investimento", diz Yano.
A política de tributação de renda para as empresas no país, segundo Vanessa Canado, coordenadora executiva do núcleo de Estudos Fiscais de Direito Getúlio Vargas (GV), dificilmente implica em incentivo à informalidade. Além da própria gestão tributária, onde são tomados os devidos cuidados pelas empresas para não realizar gastos desnecessários, foram implementadas pelo governo, nos últimos anos, medidas para tornar a arrecadação do tributo menos complexa. "Tanto o sistema de apuração do IR pelo lucro presumido, onde são aplicadas alíquotas de no máximo 15%, como a criação do Simples, levaram as empresas de médio e pequeno portes para a formalidade, por reduzir a burocracia para a apuração e declaração dos tributos".
Outro ponto que contribui para a formalidade e para o fim de práticas como o Caixa 2, em que operações não são contabilizadas, foi o estabelecimento de notas fiscais eletrônicas e o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED). "Hoje, é muito mais difícil e desinteressante para uma empresa trabalhar na informalidade, porque os próprios clientes exigem que as operações sejam documentadas, o que também permite ao Fisco verificar os dados e cruzá-los, com uma tecnologia da informação mais avançada", avalia Vanessa Canado.
 
Fonte: Valor Econômico

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